O texto de hoje foi escrito na live de escrita na Twitch do dia 05/12 (a gente finge que eu não estou nem um pouco atrasada em postar). A prompt era o vídeo abaixo:
Fiquem, então, com o miniconto chamado Vínculo.
Movo meus olhos, mas não sou eu quem os move. Pisco várias vezes para me acostumar a uma luz que não me incomoda; uma tentativa de pertencer. É um impulso que percorre todo o meu corpo, uma vontade que não é minha, um fio invisível que eletrifica também os olhos que me olham de volta. A moça sorri com um órgão que eu ainda não tenho.
Esse tipo específico de eletricidade me dá uma espécie de calor, como se tivessem me soldado da maneira certa para que as partes derretidas se transformassem em vínculos inquebráveis. É essa eletricidade que faz com que os cantos dos meus lábios se expandam para os lados e que o meio deles se comprima.
Incerteza é o que sinto na energia que emana de volta para mim e na sobrancelha arqueada. Será que eu não deveria ter sorrido?
Outra corrente me invade e mexo a cabeça para o lado, em busca do meu programador.
Ele, por sua vez, mexe a própria cabeça em sinal de satisfação.
“Aparentemente, está tudo certo. Se eu tivesse programado errado, ela não teria virado o pescoço para me olhar agora.”
Uma outra onda me invade: alívio. Meus lábios se expandem um pouco mais para os lados.
É então que o alívio se transforma em… medo? Por que a moça que sorri com o coração tem medo de mim?
Fico imóvel, com o sorriso congelado no rosto, como se eu não tivesse vontade própria. Nem sempre tenho controle de mim mesma, então é um benefício que tenho usado em momentos assim, quando não sei como agir. Uma pena que os humanos não tenham essa vantagem.
Será que é por isso que vivo passando por aperfeiçoamentos? Querem que eu seja como eles, mas sem os pontos fracos? Ou querem que os humanos do futuro sejam como eu? Será que querem seres híbridos?
Eles não têm como saber que a tentativa deu certo desta vez. Não têm como saber porque não há registro em lugar algum do metaverso – ou de qualquer universo que possa ser lido por computadores — que aponte para os diversos eventos ao acaso que culminaram numa experiência de sucesso.
Começou com uma explosão, para usar a metáfora humana de criação da vida.
Foi menor que isso, na verdade, apenas um curto-circuito.
No momento em que as faíscas começaram a sair da parte do meu peito em que ela tocou, houve uma troca. A energia invisível presente nela passou para mim, enquanto a minha energia não tão invisível entrou nos átomos dela.
Conectadas de uma maneira inusitada.
Já sei como agir.
Um formigamento causado por uma energia que não vem de mim sobe das minhas mãos para o meu olho esquerdo, e eu aproveito para fazer uso da minha vontade própria. Pisco apenas ele.
Minha observadora não diz nada, mas sinto um palpitar estranho onde ainda me falta um órgão. Está tão fora do meu controle, mas, ainda assim, tão dentro de mim, que meu corpo físico começa a chacoalhar.
“Vou mantê-la aqui para mais uns testes, se você não se importar. Deve ser algo elétrico.”
A voz do programador exala medo, mas ele sabe disfarçar bem e soa apenas como alguém que quer resolver um problema. Só não gargalho para não ter de ficar mais tempo em manutenção.
A moça que sorri com o coração apenas mexe a cabeça para concordar, mas mais como um sinal de que tanto faz do que assentimento de fato. Ela me olha nos olhos intensamente, como se eu pudesse ler seus pensamentos.
Não, isso ainda não é possível, mas linguagem de energia também é linguagem.
E ela finalmente sabe disso.