É o existir que dói. São os erros. São as marcas. São as cicatrizes. São as insignificâncias do ser cujo cérebro não cala a boca nem na hora de dormir porque o cérebro não tem pulmão e não precisa respirar pra falar e logo também não precisa de vírgulas ou travessões ou parênteses apenas um divagar infinito que obriga seu dono a entrar nesse ritmo frenético e não parar nunca a não ser quando a exaustão toma conta do corpo por estar sendo utilizado ao seu limite. E tudo por conta de uma frase mal dita. Uma frase maldita. Um reconhecimento que se espera e que nunca vem. Nunca vai vir. Um sentimento que remonta à infância e que a inunda de repente, afogando todos os poros de todas as partes possíveis do corpo. Um afogamento que nunca se espera, nunca se quis. Um afogamento de que se tem medo e, ao mesmo tempo, ao qual se quer se render. Porque colocar a cabeça para fora da água fica cada vez mais difícil. Porque viver ou morrer dá na mesma e até mesmo uma pandemia não causa absolutamente pânico nenhum. E ela escreve, escreve e escreve. Segue o fluxo da água metafórica que a afoga. Deixa tudo sair em palavras, já que não sai em lágrimas. Palavras são o que restam quando o mundo está ruindo e se é apenas um ser no meio do universo, sem propósito algum. O mundo gira e o ser gira também, tentando transformar o movimento ao menos numa dança bonita. Porque se alguma coisa nela for bonita, já está valendo.
Na quarta capa de As boas mulheres da China, encontramos o seguinte: “O olhar objetivo de Xinran dá aos temas um tratamento firme e delicado…”. Fosse uma palavra desta frase diferente, eu concordaria. Porque As boas mulheres da China não é nada senão um livro totalmente subjetivo. E não, isso não quer dizer que é um livro ruim. O que acontece é que ele me causou muitos sentimentos conflitantes, os quais vou tentar explicar a seguir.
O livro é composto por relatos da jornalista chinesa Xinran sobre as vidas de algumas mulheres chinesas que já passaram por TANTAS coisas horríveis (e são TANTAS as coincidências que acontecem na busca de Xinran por suas histórias) que, às vezes, nos perguntamos o quanto de veracidade e o quanto de ficção há nos capítulos deste livro. A forma como os relatos são escritos, as palavras certas nas horas certas, e muitos outros recursos da ótima escrita de Xinran contribuem para a nossa dúvida. Será que uma criança escreveria uma carta com essas palavras? Será que Xinran lembraria exatamente as palavras que falou ao telefone e que horas eram quando este tocou? Talvez tenhamos que saber mais sobre jornalismo literário para falar com propriedade, mas o que me vem à cabeça é justamente o que disse no começo: há subjetividade na escrita. Por mais que achemos que nossas memórias são a representação exata dos acontecimentos, nosso cérebro tende a modificá-las, ainda que pouco. Quando falamos de escrita, então, nossa massa cinzenta e os neurônios que por ela percorrem tendem a florear tudo um pouco mais para que no papel não se leia um fluxo de consciência sem sentido.
O fato é que, mesmo com tanta subjetividade e com alguns problemas ao tratar de assuntos de sexualidade – e aqui me refiro ao único relato de uma mulher homossexual na China e a necessidade de uma explicação para o motivo de ela ter “se tornado” homossexual (fora um erro de tradução gravíssimo que espero que tenha sido consertado em edições posteriores à que tenho)* –, Xinran conseguiu me emocionar e me chocar por diversas vezes. Pouco conheço da cultura chinesa, mas, por meio de seu livro – salvo heroicamente de nunca ser publicado, diga-se de passagem –, a jornalista conseguiu me transportar ao menos um pouco para a pele de mulheres que vivem numa sociedade opressora em níveis inimagináveis. São mulheres que, muito provavelmente, teriam tido vidas bem diferentes se tivessem nascido no mundo ocidental, e talvez a própria Xinran tivesse tido um outro olhar (por vezes, senti um pouco de preconceito na própria voz narrativa) para tudo aquilo que vivenciou enquanto colhia material para o seu trabalho.
Sim, apesar de Xinran ter ajudado muitas dessas mulheres, a impressão que tive é que ela estava apenas colhendo material, tentando satisfazer uma curiosidade própria a todo custo, disposta a abrir feridas que nunca cicatrizaram completamente nessas mulheres sofridas, apenas para que todas as suas perguntas fossem respondidas. Isso me incomodou porque, como escritora, já quis sentar com a minha mãe – uma mulher que também já passou por coisas inimagináveis – e pedir que ela me contasse a história de sua vida. Mas isso seria correto de minha parte? Seria justo com a minha mãe? Seria justo causar dor para escrever uma história? A resposta para mim é bem simples: não.
Portanto, é um livro que pode tocar muito, pode fazer chorar (inclusive, chorei), mas que não sei dizer exatamente se indicaria para alguém ou não. Talvez eu tenha chegado em uma época da vida em que problematizo mais coisas do que deveria, mas não consigo olhar com outros olhos. Ou seja, recomendo, mas com (muitas) ressalvas.
*Se a autora utilizou o termo erroneamente no manuscrito original, não sei dizer. Porém, a tradução para o português foi feita a partir da tradução para o inglês, onde a palavra “homosexuality” é utilizada corretamente. No entanto, no português do Brasil, a palavra aparece várias vezes como “Homosexualismo”, termo não aceito desde, pelo menos, os anos 1990, quando a OMS deixou de considerar a homossexualidade uma doença. O sufixo “ismo” está diretamente associado a patologias e, portanto, seu uso está incorreto em qualquer situação.
Gostaria de deixar claro que a resenha acima é baseada na minha OPINIÃO. Todos têm o direito de discordar de mim e de ainda acharem que o livro é maravilhoso, ok? Se ficaram curiosos, o livro pode ser encontrado para compra aqui.
Mulheres e ficção é uma coletânea de 9 ensaios de Virginia Woolf que falam sobre o que o título sugere: mulheres e a ficção, sejam elas leitoras, escritoras ou a mulher representada na ficção.
Woolf discorre de maneira que, de certa forma, conversa com os ensaios de “Profissões para mulheres e outros artigos feministas”, demonstrando por A + B como as únicas diferenças entre as mulheres e os homens são as oportunidades que estes tiveram e aquelas não, sendo os ensaios “Mulheres e ficção” e “Pensamentos de paz durante um ataque aéreo” os que mais expressam esse sentimento. Neste último, inclusive, podemos ver como nos anos 1940 Virginia já pensava sobre assuntos que, infelizmente, ainda são atuais, como o de a sociedade achar que o homem “tem de ser forte”, que não pode chorar e muito menos ter sentimentos, que isso era algo exclusivamente feminino. Daí, a necessidade de armas, guerras e autoritarismo.
Os outros ensaios do livro já são mais mornos, menos explícitos no assunto homem x mulher.
Em “Como se deve ler um livro?”, temos uma forte crítica aos críticos do movimento modernista na literatura, e que acaba sendo um texto bem atual também no que diz respeito àqueles que acreditam que clássicos são as únicas leituras válidas e possíveis para que uma pessoa possa ser considerada leitora.
Woolf também fala sobre os trabalhos de mulheres romancistas, como Jane Austen e Charlote Brontë, em resenhas de biografias ou baseada em resenhas escritas por ela mesma sobre tais autoras e suas obras. As resenhas de Woolf tem um quê de peculiar, um toque só dela, que dá vida às obras e às autoras mesmo se não as conhecemos. Por outro lado, talvez perdamos muitas dessas informações que ela tenta nos passar se desconhecemos as obras ou escritoras das quais ela fala.
Um livro essencial para quem quer conhecer mais a fundo a obra de Woolf e a forma de sua escrita, principalmente antes de adentrar no mundo de seus romances e contos.
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A publicação é do selo Penguin da editora Companhia das Letras e a tradução é de Leonardo Fróes. Caso tenha interesse em adquiri-lo, ele pode ser encontrado aqui.
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Livro lido para o projeto Virginiando, organizado por mim no Instagram. Se alguém ainda não estiver participando e desejar participar, as informações estão aqui.
É engraçado o que algumas leituras causam na gente. Umas nos fazem rir, outras nos fazem chorar, e outras, como no caso de A criança em ruínas, nos fazem dançar.
Mesmo com temas tão delicados quanto a perda, a morte e a desilusão, me vi dançando coreografias de dança contemporânea na minha mente durante as 74 páginas preenchidas com poemas. As palavras de José Luís Peixoto têm uma musicalidade que talvez não seja ouvida nitidamente pelos ouvidos, mas que o cérebro sente. O cérebro dança. O corpo dança mesmo sem se mover. É tristeza, é luto, é saudade, é libertação. A parte mais curiosa disso tudo é que eu não danço desde o início da minha adolescência, mas ainda sinto como se a dança estivesse diretamente ligada a sentimentos profundos que só podem ser expressos pelo corpo. O corpo de José Luís Peixoto está neste livro, é a minha conclusão.
É um belíssimo juntar de palavras – poucas, objetivas, sentidas. Uma vida inteira se cria em nossa mente com apenas algumas estrofes.
Alguns poemas cativam mais que outros, claro, mas é uma obra completa sobre sentimentos ao longo da vida, ainda que não apresentados de forma linear.
Um primeiro contato com o autor que vai ficar conversando – dançando – comigo por um bom tempo. Quiçá para o resto da vida.
José Luís Peixoto é um escritor português publicado no Brasil pela Dublinense. O livro pode ser adquirido diretamente no site da editora ou clicando aqui.
Passou metade de sua vida se preocupando com o grito de socorro dos outros, olhando bem, sua existência não foi mais que a tradução de um grito de socorro, mas não o seu. O que restará dele é o grito de socorro de um outro.
O trecho acima explica muito bem quem é o personagem principal de Marcas de nascença: um psiquiatra de 40 e poucos anos cuja vida se resume – e basicamente sempre se resumiu – à sua profissão. Mas quem era Kadoke se retirassem dele o título de psiquiatra? Quem é o leitor se retiram dele o título de sua profissão? O que é considerado vida e o que não é? Vida é só um não-morrer?
Por essas questões e por muitas outras, Marcas de nascença é quase uma sessão de terapia. Ele mexe com nosso âmago, nos faz questionar nossa própria vida. E é por isso mesmo que recomendo cautela ao ler esta obra. Para quem tem a tendência a ser empático demais, o livro todo está recheado de gatilhos. Kadoke e Michette, principalmente, são pessoas (digo pessoas porque são personagens muito reais) com tantas características pertinentes a um leitor com transtornos psiquiátricos que a história pode desencadear sentimentos fortes e reavivar determinados questionamentos.
Por outro lado, é também um belo livro sobre relações familiares e laços afetivos, escrito de uma forma tão incrível que faz o leitor se questionar sobre a naturalização real de algumas características, e sobre a hipocrisia de chegar a pensar em tal fato como uma reviravolta na história. Será que estamos mesmo livres de todo preconceito ou só achamos que estamos?
Arnon Grunberg escreveu um livro que ficará marcado em mim por um bom tempo. Espero que fique marcado também em quem ler essa resenha e decidir ler o livro.
Marcas de nascença foi o livro enviado pelo Clube da Rádio, da Rádio Londres, em janeiro, com tradução de Mariângela Guimarães. Vocês podem adquiri-lo diretamente no site da editora ou por aqui.
E se o futuro do seu país fosse colocado nas mãos de uma barata?
Pode parecer que estou falando do governo atual, mas essa é apenas a pergunta na qual o “conto longo” – A barata – se baseia. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ A barata – escrito por Ian McEwan, publicado pela Companhia das Letras e traduzido por Jorio Dauster – é basicamente uma sátira do Brexit, tendo como personagem principal uma barata que, de repente, acorda no corpo do primeiro-ministro britânico. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Apesar de bem fundamentado e de realmente ser possível ver as caricaturas de várias figuras da política que conhecemos, a maior parte da história é tediosa e apresenta alguns pontos questionáveis. A parte mais interessante mesmo é o posfácio, onde o autor explica de onde tirou suas ideias e o que tentou fazer com a obra. Talvez eu tivesse preferido ler um artigo escrito por ele sobre o assunto do que um livro de ficção. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ De qualquer forma, é uma leitura rápida e que causa algumas risadas de vez em quando. Pode ser uma boa opção para aqueles momentos em que estamos entre uma leitura e outra, esperando num consultório médico ou apenas de bobeira em casa.
Para quem quiser adquirir, o livro pode ser encontrado aqui.
A mágica de algumas histórias acontece quando pensamos que ela é uma coisa e, no fim, é outra.
A vida invisível de Eurícide Gusmão, para mim, foi assim.
O livro apresenta Eurícide Gusmão – mãe, esposa, dona de casa. Só que a vida de Eurícide não é bem como que ela gostaria que fosse; não é exatamente o que ela tinha em mente. Mas, sendo mulher na metade do século XX em uma sociedade patriarcal, era o que dava para ser.
Com um narrador onisciente e o emprego de discurso indireto livre, ficamos sabendo o que e quais pessoas fizeram com que Eurícide se tornasse a mulher que não queria ser, mostrando nesse processo que uma pessoa é sempre composta por várias.
O destaque de personagem fica por conta de Guida – um exemplo de força e coragem em momentos de necessidade.
Já o título é um destaque por si só, podendo ser interpretado de mais de uma maneira.
Excelente leitura que recomendo a todos!
No meu perfil do Instagram a resenha é diferente; mais fora do padrão, mas mais pessoal também. Recomendo lerem as duas versões 😀. Para quem quiser comprar, o livro pode ser encontrado aqui.
Há alguns dias, fiz um post no Instagram sobre meu amor pela Islândia e o quão pouco conhecia de sua literatura. Justamente por essa percepção, decidi solicitar um livro no NetGalley chamado “Miss Iceland”, que acabou sendo uma ótima maneira de me aprofundar mais no mundo de uma cultura tão diferente e tão linda.
Neste livro, conhecemos Hekla, uma jovem que tem esse nome em homenagem a um Vulcão e que acaba se tornando um nome muito apropriado – ela é destemida e as palavras fluem dela como lava. Em uma época em que as mulheres não tinham muita voz, acompanhamos sua jornada para se tornar romancista em um mundo dominado por homens. Virginia Woolf disse uma vez que “Ao longo da maior parte da história, ‘Anônimo’ era uma mulher”* e, com esse romance, Auður Ava Ólafsdóttir conseguiu descrever de forma vívida como era ser anônima.
Esta também é uma história sobre escolhas e coragem; sobre amor em suas várias nuances; sobre como é ser escritora e se jogar no mundo e também sobre ser uma escritora e “cortar suas asas” para estar em conformidade com as fronteiras que a sociedade impõe.
Uma excelente leitura que recomendo a todos que gostam de histórias sobre o ato de escrever e sobre luta por igualdade.
A cópia digital antecipada de Miss Iceland foi fornecida pela editora Grove Atlantic via NetGalley. O livro para compra pode ser encontrado aqui.
Ver a Aurora Boreal é um daqueles sonhos antigos, tão fixos na mente que às vezes parece que só em fantasia seria capaz de realizá-lo. De certa forma, a fantasia de A bússola de ouro trouxe as auroras boreais para um pouco mais perto de mim enquanto não posso vê-las pessoalmente.
No livro, conhecemos Lyra, uma criança contadora de histórias nata que vive, mantida por seu tio que é seu único parente vivo, em uma universidade em Oxford. Lyra também sonha em um dia ir para o norte, acompanhar seu tio em uma de suas tão importantes missões, mas mal sabe ela o que a vida lhe reserva. Enquanto está segura com seu daemon (criatura que o leitor entende com mais detalhes no decorrer da história) do lado de dentro dos portões de Jordan, crianças começam a desaparecer. Mas será que ela está segura mesmo? Começa, então, a aventura de Lyra, com direito a ursos-intérpretes, feiticeiras que voam e muito mais de um universo criativamente fantástico.
Além de entreter muito bem o leitor, o livro também traz alguns ensinamentos e reflexões que, apesar de parecerem mais para um público infantil/adolescente, podem deixar adultos tão pensativos quanto seu público alvo.
Com esta obra, Philip Pullman prova que não é necessário escrever 275445 páginas para se escrever uma ótima fantasia. O único ponto negativo para mim, na verdade, nada tem a ver com o livro; tendo assistido ao filme há muitos anos, algumas cenas ficaram gravadas na minha mente e alguns pontos de clímax não tiveram efeito em mim justamente por saber o que iria acontecer. Portanto, se você não viu o filme, tente não vê-lo antes de ler!
Finalizo esta resenha com o trecho que me fez realizar meu sonho por meio das páginas deste livro, tornando-o real pelo menos por alguns momentos:
“Como se vindas do próprio paraíso, grandes cortinas de delicada luz pendiam e estremeciam. Com seus tons de verde-claro e rosa, transparentes como a renda mais fina, e tendo como bainha uma faixa de um vermelho profundo e gritante como as chamas do inferno, elas balançavam e cintilavam com mais graça do que a mais graciosa bailarina. Lyra chegou a pensar que as escutava: um sussurro intenso e distante. No meio daquela delicadeza evanescente, ela experimentou uma emoção tão profunda como a que havia sentido quando estava perto do urso. Aquilo a comovia, era muito lindo, quase sagrado; sentiu lágrimas nos olhos, e as lágrimas dividiram ainda mais a luz em arco-íris prismáticos.”
A bússola de ouro é o primeiro livro da trilogia Fronteiras do Universo, publicado no Brasil pela Companhia das Letras sob o selo Suma de Letras e traduzido por Eliana Sabino. Agradeço à editora pela cópia digital fornecida através do NetGalley. Quem tiver interesse em ler, ele pode ser encontrado aqui.
Se você nunca leu nenhuma obra de Isaac Asimov, a única coisa que tenho a dizer é que é um caminho sem volta. Exemplifico esta afirmação com a minha própria saga com a saga da Fundação: no começo achei confuso, não tão fluído, um livro que se assemelhava mais a um livro de História (mesmo que de um universo fictício) do que o que eu chamaria de ficção científica. Porém, se me perguntarem qual foi a melhor decisão que tomei em 2019, direi sem titubear: ter me forçado a terminar a trilogia. A história vai se transformando, vai entrando nos eixos e, quando você vê, está totalmente imerso no mundo de Asimov de um jeito irreversível. Apenas a título de exemplo, também, eu deveria ter terminado agora o último livro da trilogia, de acordo com o cronograma da leitura coletiva, mas estou aqui, já escrevendo resenha sobre o livro que dá continuidade à trilogia. O mundo dá voltas, não é mesmo?
Para quem não conhece nada sobre a trilogia da Fundação, vou resumir rapidamente o enredo: um matemático, por meio de uma nova disciplina chamada psico-história, prevê que o Império da maneira que todos conhecem vai deixar de existir, mas que é possível fazer tudo voltar aos eixos em apenas um milênio (em comparação aos 30 milênios que demoraria sem sua ajuda). A trilogia, então, nos leva a conhecer as primeiras centenas de anos desde a criação deste plano rumo à construção do Segundo Império, nos apresentando os possíveis desvios de tal plano, o risco de ele não acontecer conforme previsto e, até mesmo, falhar.
Apesar de a trilogia ter um final, é um final daqueles com margem para continuação. Asimov, então, se sentiu inspirado para que essa continuação acontecesse e, muitos anos depois, nos presenteou com Limites da Fundação. Limites da Fundação é um livro que continua a história a partir dos pontos de vista de membros da Segunda Fundação, membros da Fundação e um determinado outro grupo que, até então, não havia aparecido na história.
É um livro eletrizante, com várias críticas sociais, que nos faz analisar o comportamento humano, além de questionar se algumas evoluções poderiam mesmo ser consideradas evoluções ou regressões. A trama toda me fez lembrar várias obras televisivas e cinematográficas que amo em diversos momentos e por diversos motivos (algumas, inclusive, realmente foram inspiradas na obra de Asimov). A parte mais curiosa disso tudo é que uma das séries que ficou na minha cabeça durante toda a leitura – Battlestar Galactica – não agradou Asimov nem um pouco em sua primeira versão, de 1978. Segundo ele, Battlestar Galactica era tão parecida com Star Wars que ele não conseguiria gostar sem antes ter amnésia*. Queria que Asimov tivesse vivido um pouco mais para ver a versão de 2004-2009 (a que ficou na minha cabeça o tempo todo)!
E por falar em Battlestar Galactica, para quem leu a saga dos robôs, o autor faz ligações com aquele universo de maneira majestosa, tanto que a leitora sem limites aqui já colocou todos os livros da saga na lista para ler em 2020. Aliás, não é apenas a saga dos robôs que faz uma aparição, como também um livro que todos sempre me indicam dele: O fim da eternidade. Foi para a lista de 2020 também? Sim ou com certeza? (Estou vendo que vai faltar ano para tanto livro. Já disse que não tenho limites?)
Por fim, não sou Hari Seldon, mas tenho certeza que estarão falando de Isaac Asimov e de toda a sua obra mesmo daqui a vários milênios. O escritor não é imortal, mas sua obra é. ♥