O sapo de pelúcia

Dólar a R$ 2,14 (um absurdo para a época); os centavos juntados para conseguir pagar os boletos. 

Minha primeira viagem sozinha, minha primeira viagem internacional. 

A primeira vez que conversei com estadunidenses sem ser por escrito; a primeira vez que perdi um voo de conexão. 

A primeira vez que vi o quanto eu não pertencia ao mundo dos viajantes, porque não tinha um único dólar extra para comprar comida no avião depois de quase um dia sem comer.

O Jorge e seu táxi salvador da pátria. 

A Julie e o cover de Céline Dion que me deixou no chão. 

O Grant me ensinando a jogar Yu-Gi-Oh com regras inventadas por ele mesmo. 

O ar seco que se apresentou em forma de couro de jacaré em minhas mãos muito humanas, naquele deserto onde construíram casas e cassinos. 

A terceira fila em um coliseu falsificado onde percebi que, pela primeira vez na vida, eu realizava um sonho.

“A new day has come”, cantavam Céline, eu, e minha mente que acabara de se abrir. Nada era mais verdadeiro; um novo dia havia chegado.

Fiz amizades que prometiam durar para todo o sempre. 

(E até que duraram, agora penso, já que o infinito, às vezes, pode caber em uma semana.)

Houve choro nas despedidas, pela realização de tudo o que jamais achei que iria acontecer e, que foi, em partes, propiciado por um governo que nos permitia sonhar. Ai, que saudade!

Mas antes de eu voltar de verdade, havia um sapo de pelúcia em liquidação. 

De repente, tudo o que eu tinha vivido durante aqueles 20 dias foram transferidos para ele, como se ele tivesse sido feito justamente para comportar memórias.

Ele ficava na minha cama dia e noite, com seu sorriso de gratidão por ter sido escolhido, por ter vivido muitas coisas comigo ao compartilhar de meus pensamentos.

E, aí, mudei.

De controle emocional e de casa.

Em um único cômodo não cabe muita coisa, então tive de me adaptar.

O sapo foi relegado ao fundo do guarda-roupa, onde ninguém mais o via além dos trajes que lhe faziam companhia.

O sorriso dele continuou ali, como se esperasse a cada momento sair daquele buraco, ter uma vida de novo.

E hoje eu decidi dar isso a ele.

Porque ele me olhou com muito carinho enquanto eu tirava as roupas da frente dele e falava “essa fica; essa vai”. Aquele olhar me disse: está na hora de eu ser colocado na pilha dos que vão.

E, de repente, percebi que ele estava certo. 2007 não vai voltar só porque o sapo está em algum lugar da minha casa.

Então, aquele que foi o meu alento por guardar algumas das minhas mais preciosas vivências, agora poderá encontrar alguém em Petrópolis (ou até mesmo na minha própria cidade).

Não importa que ele tenha “Celine Dion” escrito em um dos pés e que, provavelmente, quem recebê-lo não vai fazer ideia de quem essa pessoa é.

Agora ele vai coletar outras vidas, adicioná-las aos seus braços molinhos e sempre abertos.

Vai virar acolhimento para quem precisa disso mais que tudo, para quem precisa mais do que eu.

O sapo vai, mas minha gratidão fica. 

É mais que um desapego material: é um desapego emocional do qual eu nem sabia que precisava.

E foi assim que um bicho de pelúcia me fez chorar ao me revelar que “um novo dia chegou” e eu, paralisada pelas notícias do mundo, nem percebi.


A New Day Has Come é a música que Céline usava para abrir os shows de Las Vegas na época. O vídeo está abaixo:


E o sapo que me deixa é este aqui:

Publicado por Elaine Trevizan

Leitora assídua, tradutora, intérprete (sim, são duas coisas diferentes), bookstagrammer, escritora em construção. Hipérbole é meu nome do meio.

Deixe um comentário