Não era amor, era…

Texto produzido na live de escrita na Twitch de 02/10/21. A prompt era para começar o texto com a frase: Relutantemente, ele entregou a chave. Fiz pequenas alterações apenas para melhor compreensão.

Relutantemente, ele entregou a chave.

Que escolha ele tinha, afinal?

Não era a primeira vez que roubavam seu carro, mas era a primeira vez nessa situação.

Como ele sairia dessa enrascada, não fazia ideia.

Apenas de cueca, rezou para que o sol escaldante do deserto não fizesse muito estrago em sua pele mais branca e delicada que um lírio da paz.

Devia ter previsto que era tudo muito bom para ser verdade, que sua indiscrição não passaria impune.

Talvez, se ficasse pensando em todos os erros que cometera desde o primeiro e derradeiro, não notaria quando estivesse com sede ou com fome.

Mas haveria de passar algum carro por ali em algum momento, certo? O difícil seria convencer as pessoas a darem carona para alguém praticamente pelado no meio do deserto talvez, pois, afinal, havia sido assim que ele havia caído naquela armadilha para começo de conversa.


Não era costumeiro passar por aquela estrada, mas, naquele dia, ele tinha de visitar um cliente que morava onde Judas perdeu as botas. Ele até se assustou quando viu a mulher desesperadamente acenando, parecendo fazer polichinelos naquele gesto sofrido de quem já passara muitas horas sem beber uma gota d’água. Ele parou, é claro.

Ela chorava e quase não tinha forças para falar quando chegou à porta do carro. Se debruçou no vidro antes de entrar, um gesto que ele tomou por alívio. Quando ela finalmente se sentou, só conseguia dizer “Obrigada” sem parar. Demorou uns bons 10 minutos antes de ela dizer o que tinha acontecido: ela estava voltando da casa de uma tia quando a pararam. Fizeram-na se despir e ela temia o que todas as mulheres mais temem, mas os homens simplesmente a colocaram no carro, levaram-na até aquela estrada deserta e deixaram-na ali, levando seu carro de volta para a civilização. Ela disse que nem saberia como prestar queixa, mas deveria ser só porque estava cansada. Afinal, seu carro havia sido roubado e ela tinha como, pelo menos, colocar alguém atrás dele.

Ele a deixou em casa e deu seu cartão de visitas, caso ela precisasse de uma testemunha.

No dia seguinte, ela ligou. No entanto, em vez de pedir que ele testemunhasse a seu favor para a polícia, ela pediu que ele a encontrasse em casa, pois ela só precisava de alguém com quem conversar. Ele entendeu, pois uma situação traumática dessas só poderia ser compreendida por, talvez, a pessoa que a salvara.

Ela lhe disse que havia feito um boletim de ocorrência e que a polícia a avisaria caso encontrassem o carro. Não tinha seguro, então teria de ajustar sua rotina para fazer tudo a pé ou de transporte público, por enquanto.

Ele não soube por que, mas se ofereceu para levá-la onde precisasse ir enquanto não recuperava o carro. Ela hesitou, mas aceitou.

Conversaram muito naquela tarde de sábado, tanto que sua esposa ligou duas vezes para saber onde ele estava. Ele mentiu, é claro. Adriana já era ciumenta demais sem saber que ele conhecera uma mulher seminua no meio do nada.

No dia seguinte, a moça que agora ele sabia chamar-se Claudia, ligou pedindo ajuda para ir ao supermercado. De lá, voltaram para a casa dela e, ao se despedirem, ela lhe deu um beijo demorado no rosto. Gratidão, apenas? O que aquele beijo despertara nele estava longe de ser gratidão.

Da próxima vez que se encontraram, o beijo partiu dele, e foi nos lábios. Ela não fugiu, como ele esperava, mas sim aprofundou o beijo. Uma coisa levou à outra e, assim, começava seu primeiro caso desde que se casara.

Os últimos 10 dias haviam sido tórridos, de forma que, quando ela sugeriu que eles passassem por aquela estrada deserta onde eles haviam se encontrado da primeira vez, ele não pensou duas vezes. Não seriam vistos, mas havia a pequena possibilidade de que isso acontecesse. Isso era o suficiente para excitá-lo.

Pararam o carro quando ela já o havia atiçado além do que ele podia aguentar e, enquanto ele tirava as calças, ela se virou para o banco de trás, onde havia deixado sua bolsa. Quando ela voltou à sua posição original, apontava uma arma para sua cabeça. E, bom, foi assim que ele se encontrou seminu, em uma estrada deserta.


Não percebeu que estava chorando até sentir o gosto salgado nos lábios. Mas seu choro não era só pela sucessão de erros, mas também pela tarefa que tinha à frente. Tinha de ser forte o suficiente quando passasse o próximo carro.

Demorou umas duas horas, mas finalmente ele avistou um pontinho ao longe. Esperou o carro se aproximar para fazer sinal e para, desesperadamente, chorar.

O homem abriu a porta para ele, ele entrou, e pôs-se a contar sua história: estava voltando de uma visita ao cliente quando foi parado por dois homens armados. Em busca de pertences que ele poderia não ter entregado, deixaram-no seminu e, depois, abandonaram-no na estrada deserta.

O homem ouviu a história com uma cara de espanto e com aquele jeito que ele bem conhecia de piedade, pois havia sido exatamente essa a sua reação ao que acontecera com Claudia (se é que era esse mesmo o nome dela).

Ele só não contou a verdadeira história, nem adicionou que, antes de fazê-lo entregar a chave do carro, Claudia lhe disse que, se ele não fizesse o que ela dizia, sua esposa e filhos estariam mortos ao fim de 10 dias.

Publicado por Elaine Trevizan

Leitora assídua, tradutora, intérprete (sim, são duas coisas diferentes), bookstagrammer, escritora em construção. Hipérbole é meu nome do meio.

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